terça-feira, 24 de dezembro de 2019

Dois mil e dezenove

Não costumo fazer retrospectivas porque as minhas memórias não se organizam cronologicamente. Claro que eu tento organizá-las, a análise me ajuda bastante com isso. Mas nesses últimos dias da década - apesar de não ser tecnicamente o fim - senti a necessidade de escrever (finalmente). 
Em junho desse ano eu fiquei chocada que faria 24 porque nunca imaginei que chegaria tão longe. O ritmo conturbado da minha vida não me permitia parar e pensar que afinal, eu estava andando para a frente. Com velocidades distintas, às vezes voltando atrás um pouco e revisitando lugares, mas depois de tanto tempo, há um caminho percorrido.
Vinte e quatro. Li que 2020 será um ano de transformações para meu signo e pensei imediatamente: tomara que seja só até meu aniversário pois se o próximo é de transformação, esse foi de que? Se pudesse definir tantos meses em somente uma expressão seria: sem ar. De asma, de raiva, de felicidade, de choro e alívio.
Descobri que eu conseguia me retirar de situações em que não me sentia confortável e tenho mantido o exercício diariamente. Quando notei que não consigo trabalhar pra gente ruim, larguei um emprego sem olhar pra trás - e sem um puto no bolso (as pessoas de vinte e poucos anos ainda podem cometer esse tipo de erro). Encontrei um lugar de gente boa de alma e amigos também, fazendo algo para o qual não preciso usar meu diploma e rindo muito de assuntos inúmeros. 
Me deparei com o amor, desses inesperados, logo que o meu ano pessoal virou. Todos os dias aprendo algo novo sobre se relacionar com alguém tão íntima e profundamente. E não todos os dias agradeço à ele por escolher estar ao meu lado, na gin tônica e no Rivotril. 
Aprendi a dizer adeus e a dizer olá.
Que para que um prato fique bom de verdade, o segredo dos franceses é a manteiga. 
Que não só as pessoas tem a capacidade de mudar, as situações também - além do jeito que as encaramos, claro. 
Que ter qualidade de vida é mais importante que ter dinheiro. 
Que se não é definitivamente sim (eu digo: super!), então é não. 
Que pegar ônibus é mais legal que metrô porque você pode ver a cidade e não tem mil escadas. 
Que fotos são recordações então não precisamos que elas estejam lindas para as redes sociais, precisamos da imagem para aquecer o coração ao visitar a lembrança.
Que pão de beijo na verdade é quase tão delicioso quanto pão de queijo. 
Que toque físico tem mais importância que eu imaginava na minha linguagem de amor. 
Que é preciso ter paciência com familiares mas que isso se compensa quando passamos por uma barra e inesperadamente, eles estão lá para te socorrer. 
Que comunicação é ótima para qualquer relação mas que nem tudo é da minha conta e não saber coisas em alguns momentos me dá mais paz. 
Acho que escrevendo isso eu percebi a motivação, o que acontece bastante na minha cabeça também: eu escrevo e percebo que algo estava ali em mim tentando sair desesperadamente e eu fui só o corpo que digitou e recitou e editou e postou.
Escrevi esses pedaços de 365 dias pra me lembrar posteriormente que apesar do turbilhão de acontecimentos que tive e continuo tendo que lidar, eu cheguei à algum lugar. 
E tudo bem. Vai ficar tudo bem. Eu sei que sempre fica, eu só não sei ainda como. 

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Carta de desapego nº 01

Essa é uma série de cartas que nunca serão enviadas. 
Podem ou não acabar parecendo provocativas mas o principal motivo de escrevê-las é tirar algumas certezas e angústias de dentro de mim pois já não me cabem mais. O depósito de amarguras dentro de mim está cheio e cada dia tem ficado menor então não vi motivo em armazenar lembranças ruins comigo enquanto tudo que faço e busco e quero pra mim é luz. 

Vai fazer 10 anos desde a primeira vez que te conheci. Parece muito tempo né? Na minha cabeça esses anos passaram voando. 
Eu lembro de tudo, essa é minha sina. Mas tudo ficou compactado e eu posso falar os aspectos gerais de cada ano se me perguntarem. 
Você me deu um sentimento - veja bem, não era amor - que eu sentia que precisava. Eu te escrevi outras cartas, muito mais focada em te satisfazer do que desatar o nó no peito (que é basicamente o motivo pelo qual escrevia e continuo escrevendo). Hoje eu vejo que apesar de não ser o ideal, era o que eu sentia que precisava no momento. Eu gosto de seguir regras e você me deu muitas.
Eu lembro que você comparou todos os textos desse lugar quando te escrevi. Na primeira, na segunda, na terceira e em todas as outras vezes. A menos que eu fosse mínima, você não me queria. A menos que toda minha devoção fosse sua, eu era imprestável. A menos que eu passasse as únicas horas livres do meu dia discutindo com você por alguma invenção banal que você teve o dia todo pra bolar, eu não servia.
E olhe só, esse é meu espaço. Me respeita sabe? Eu criei isso, cada frase desabafo e sentimento que aqui está escrito, saiu de mim. Das minhas mãos, minha cabeça, meu coração. Esse é o único lugar que é meu e intocável ao mesmo tempo. Eu não gosto nem que as pessoas comentem aqui. Então eu deveria ter te colocado no teu lugar. Mas quantas outras vezes eu deveria ter feito isso e não conseguia, não é?
Eu lembro das brigas que tínhamos e dos motivos torpes. Lembro de cada vez que você me tocou, seja pra puxar meu braço, me jogar pelo outro canto do quarto com um chute ou arrombar a porta do banheiro enquanto eu tentava fugir de você lá dentro. Eu lembro de quando você fugiu de casa, todas as várias vezes. Quando você saiu de casa e me ligou depois de três dias, dizendo que estava voltando e tinha uma surpresa pra mim: um buquê de rosas na minha cama. Quando você me convenceu que se matar era a melhor solução e fez na minha frente e ainda me fez te levar no hospital depois. Que tipo de pessoa faz isso com alguém?
Era sempre assim né? Você surtava, gritava, xingava, me batia, me humilhava e depois de um dia ou dois, você voltava. Eu tento não julgar a pessoa que eu era há uma década porque eu cresci muito nesse meio tempo mas eu não consigo não julgar você. 
Meu analista disse que eu devo parar de te chamar de psicopata. Pra mim é a mesma coisa que pararem de me chamar de ruiva: não precisa ser dito mas é explícito. Ele me disse pra te humanizar, tirar a visão de monstro que eu criei de você dentro de mim.
Seria possível? Eu não acredito que uma pessoa normal faça essas coisas. Ou que, depois de tanto tempo, continue sendo desprezível e instável e perigosa desse tanto. É de fato algo que eu não consigo digerir ou entender. Me falta empatia pra falar de você, porque você não demonstrou nenhuma por mim em mais de dois anos em que estivemos juntas. 
E aparentemente você continua não sentindo, nem de fachada. Pra mim é inadmissível te encontrar na rua. Você não existe na mesma realidade que eu, você existe numa história conturbada de anos atrás e eu deixei de dizer teu nome e eu fiz todo mundo parar de me informar sobre você há muito tempo também.
Eu não acho que seja maldade da minha parte fingir que você morreu. Pelo menos eu posso me enganar com essa fantasia: um mundo onde você não existe mais enquanto eu tenho que conviver com as lembranças de cada episódio de um mundo em que nós existíamos juntas.
Pois bem, eu não sabia o intuito dessa carta antes de começar a escrevê-la e eu também não sei agora. Eu queria tirar essas coisas do meu sistema pois te rever depois de tanto tempo, num lugar que eu tanto gostava me desestabilizou. Talvez eu nem devesse escrever isso aqui, porque você (ou sua namorada que coincidentemente é uma cópia minha) ainda pode me sondar como antes. 
É muito possível que eu ainda tenha que escrever sobre você mas nunca mais escreverei para você. 
Tem poucas coisas que ainda me deixam puta nesse mundo e você é uma delas. Mas só hoje, e eu sei que vai passar. Só hoje porque eu parei para pensar sobre isso e me esforcei a lembrar de tudo pra vomitar aqui. Só hoje porque eu me permiti e eu até torço pra que você leia isso, pra saber que todo o poder que você tinha sobre mim ficou dissipado no ar e hoje eu sou minha e você continua escrava da(s) sua(s) doença(s) mental(ais).

domingo, 11 de agosto de 2019

Poema 225

Abdico lenta e parcialmente das partes externas que me definem 
Das coisas que usamos no corpo para mostrar ao mundo nossa identidade 
Com você sou apenas eu no sentido mais profundo e nu
Ao seu lado não há um pedaço de mim que se esconda em discurso e postura
Viajo em cada momento longo e sensorial
Decoro suas pintas e histórias detalhadas
Um lugar atrás do meu coração se acalma e agita ao mesmo tempo 
Cada vez que lembro que nós somos corajosos 
Com o sol nascendo vejo já chegar a saudade
Eu realmente sinto falta da fenda espaço-temporal que lhe falei 
Você me causa sentimentos que eu desconhecia 
E doce é a pele, o café e a companhia

terça-feira, 23 de julho de 2019

Poema 224

I never though that you were my soulmate
I could see the man of my life
A curse - but not in a negative way
The one who's always in the corner of my mind
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I've been feeling confused about this
Like I can't find the shelfs where it belongs
And I don't say that with any sadness in my speech
Somehow you both exist in my broken home 
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You've found your place alone inside me
And so did he
I hope we can survive this - the three
Just like all the things we already did

quarta-feira, 26 de junho de 2019

Poema 223

Eu não vou ficar
Não comece "a conversa"
Não me venha com as malditas frases prontas que eu ouvi mil vezes atrás
Engula seu medo de um relacionamento pois apesar de eu não tê-lo eu também não desejo
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Se eu abri meu coração e pernas é por motivo muito simples
Eu me quero e muito e muito bem 
E cada experiência nova eu também quero provar
Seja felicidade prazer ou agonia e desprezo
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Eu sou cachoeira demais pro seu rio raso - e pro de todos os outros que vieram antes
Não projete em mim essa necessidade de afirmação
Se eu te convidei ao meu corpo e mente é porque eu sei o limite
E ele acaba justamente no lugar da sua presunção

sexta-feira, 14 de junho de 2019

Poema 222

I thought I was sinking and missing
And then I found myself in a pool of feelings
And lessons and traumas and all that before came 
Like that man getting out of that cave 
Do you know what hurts the most? 
It’s not being able to lock the ghosts 
I always have to deal with this hurricane 
This big pile of things I became 
I used to wonder how long would it last 
The pain the sorrow the never getting the best
And now I’m finally where I wanted 
Deep down swimming inside and not drowning 
I come here at the bottom a few times a day 
When the air outside hurts and I need to escape
When somebody screams at me
When somebody I love wishes to be free
Maybe thinking straight this is not a pool at all
Did you know the ocean has places still unknown? 
I could live inside myself for a decade before needing to breathe 
But then again I’ve just learned how to dive deep in

sexta-feira, 31 de maio de 2019

Poema 221

Unintentionally stolen t-shirts 
With different skins smells and mostly white ones 
Creating limits for feelings
Something you do easily for living
Is it you or is it really me 
I’ll have to drawn a line somewhere between 
Because it’s awesome what we can do together 
But I’m the one who handles all the lost treasure 
Could you talk more about how you feel inside your head
In mine I’m at the same time free and trapped
And it’s not like I wanna help you scape the corners you’re stuck 
I’m just actually amazed how people’s mind work 

domingo, 31 de março de 2019

My heart is like a haunted house

Tem meses que me encaro como uma casa. Consigo visualizar claramente uma residência de alvenaria, nada dessas coisas modernas que aprendi na faculdade. Uma casa clássica desses filmes românticos e do seriado Madmen.

As pessoas entram, elas ficam, eu crio memórias, elas vão embora. Moro sozinha com meu gato, mas isso não é motivo de tristeza. 

Tenho uma sala de estar com lareira e tapete, porque sinto muito frio. Uma cozinha grande e com mesa, pois gosto de cozinhar e comer sentindo o cheiro que ficou. Um quintal com muito verde, porque gosto de cuidar de plantas (mesmo quando não dá certo). Uma varanda na frente com rede, porque gosto de fumar no balanço. Uma escada de madeira, pois escadas de mármore são geladas demais. Tem cortinas de algodão, todos os assentos são confortáveis, as paredes cheias de arte - arte de gente que eu conheço, folhetos de exposições, lembranças que me fazem bem olhar todos os dias.

Meus traumas são como problemas estruturais nessa minha morada. 
O do meu pai morava na garagem, porque nós gostávamos de assistir programas sobre carros. Quando tive de descrever isso pro psicanalista, disse que era como um vazamento numa parede, que eu sabia que deveria quebrar tudo e refazer o encanamento mas não tive força por muito tempo então mascarava o problema com massa corrida e pintura, até aquilo rachar e vazar de novo.
O da minha mãe mora na lavanderia, porque eu lembro de cenas muito fortes nesse lugar - uma vez, com menos de 5 anos, ela achou uma camisa do meu pai com o colarinho manchado de batom. Eu odeio lavar roupa. É o único lugar da casa que está fechado há muito tempo sem uso, sem máquinas, com vários problemas: o telhado está pra cair, as torneiras não funcionam, as máquinas quebraram há muito tempo. 
O da minha vó morava na sala de TV, porque sempre assistimos muita TV juntas. A televisão ainda é velha porque hoje a nossa relação mudou bastante mas ainda assistimos novelas desde que sou pequena. É um lugar confortável mas não aconchegante.
O da minha tia morava na sala de jantar. Ela sempre foi dessas visitas que criticam seu cabelo depois do "oi tudo bem?" e quando era pequena me dizia que eu ia engordar se não me cuidasse por causa disso ou daquilo. Hoje eu amo comer e a sala é um espaço claro e caloroso.

Meu quarto é meu coração. Qualquer pessoa pode passar por ele, mas poucas mudam coisas dentro do espaço. 
Um amor do passado quebrou algo que só recentemente consegui consertar. Uma nova paixão deixou o cheiro no travesseiro. Uma amiga tem umas roupas emprestadas no armário mas faz tempo que não nos vemos. Um amigo me deu uma pelúcia com a qual durmo todos os dias mas nossa relação é distante. 
As pessoas que vem e vão não me fazem sentir falta delas nesse espaço. E digo isso sem nenhuma agressividade: fico feliz que seja um lugar particular.
Além de felicidade, eu sinto paz de ter o meu lugar - mesmo que dentro da minha cabeça - e saber dos detalhes que preciso para continuar vivendo bem aqui, além de saber os motivos de cada alteração na casa. Pode ainda ter alguns rasgos nas paredes, uma torneira ou outra que não funciona, uma luz que pisca toda vez que acendo; mas me inspira olhar à minha volta e ver o abrigo que construí.

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Faço terapia há mais ou menos 1/5 da minha vida. 
Sou arquiteta. 
Essa visão faz muito sentido pra mim e adoro analogias.