sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

Diário de desmame - pequenas grandes coisas

19 julho
Sou uma pessoa capaz de falar sobre 5 assuntos diferentes enquanto realizo uma tarefa mas a diminuição do lítio tem adicionado à isso uma dúzia de emoções.
Tudo ao mesmo tempo em um único lugar: eu. Não é uma boa sensação e tem dado trabalho.
Me encontro envolta em todas as emoções, choro e tento me acalmar com os truques que conheço enquanto espero passar. 
Não consigo acreditar que um dos temas da minha vida seja homens fantasmas ressurgindo, de alguma forma preciso encerrar esse assunto.
A ideia de cuidar de si mesmo é tão admirável e difícil. Por um momento queria sentir esse peso fora dos meus ombros e talvez por isso eu me permita ser assombrada.
Me sinto exausta e desmotivada, entretanto, dessa vez, paciente e confiante em como tenho lidado com tudo: emoções, pessoas e vontades.

21 julho
Quis escrever para guardar essa sensação afinal é o que faço.
Tenho uma pequena coleção de momentos de absoluta clareza, de epifanias e extremo alívio e estes dias revirados me deram mais um.
Em poucos segundos percebi que o homem que eu tanto amava era apenas mais um que me amava com porém. 
Te amo mas vou mudar de país e casar com outra pessoa. Te amo mas não suporto sua cabeça. Te amo mas tem que ser minha. Te amo mas não consigo lidar com seus problemas.
E decidi não mais alimentar isso.
O que há de ser feito com todo esse amor se a pessoa que ama não está disposta a fazer algo sobre? Nada. E cansei de estar nessa posição.
Na minha concepção de amor ele não nega os poréns mas os considera antes mesmo da definição do sentimento.
Marilyn disse 'se você não suporta o meu pior, não merece o meu melhor'.
E ficar sozinha é complicado mas hoje não parece tão pior. Sinto que finalmente tenho bases que me impedem de desabar como antes.
Sei que ainda posso voltar a ficar abalada mas talvez eu tenha feito as pazes com a tristeza e hoje ela não amedronta tanto.
De qualquer modo, quero o melhor para mim e repito o lembrete diariamente.

04 setembro
Tenho sentido e lembrado de muita coisa.
Os sentimentos tem fervido como uma chaleira por mais tempo que o normal e tenho respeitado isso.
Não tenho mais medo do futuro ou de mim e não quero me matar: estou no lucro.

08 setembro
Aborrecida com coisas grandes e pequenas e sobretudo com aquelas sobre as quais não tenho controle.
Hoje fiquei puta porque ouvi uma música muito mal remixada.
Limites parecem duros quando impostos e ultimamente as pessoas tem reagido por eu não aceitar qualquer coisa. Tenho dito muitos nãos: não, não gosto, não quero, não me interessa, não fale comigo nesse tom. Tento me lembrar que não posso parar, não importa a reação.
Me sinto incompreendida por muitos e tento me convencer de que somente eu preciso me entender. O que é solitário, mas o preço a se pagar pela sinceridade.
No final do dia ou no seguinte minhas decisões não me atormentam e talvez isso seja vitória.
Cansei de fazer coisas sem sentido e do que elas faziam comigo.

11 setembro
Tenho tentado muito ser uma pessoa da qual minha versão criança sentiria orgulho, segurança e acolhimento.
Gostaria de ter mais conexões positivas na minha vida, parece cada dia mais escasso e difícil.
Cuidar de mim tem sido mais fácil. Acima de tudo lembro que me quero muito bem e consigo tranquilizar uma parte da minha cabeça que sempre gritou muito.
Me sinto sozinha mas há tempos não tenho toques de carinho sincero. Agora não é mais um inferno a solidão mas queria companhia.

25 setembro
É incrível não ter a morte como solução e me impressiono todos os dias por não ter mais pensamentos suicidas.
Tenho apreciado e tentado cultivar e multiplicar os momentos de silêncio na minha cabeça. Me fazem sentir que finalmente meu sistema nervoso sabe o que é paz.
Queria muito mais liberdade e tenho me esforçado para isso. Sinto que posso construir mais assim e não vejo a hora de conseguir.

20 outubro
Tão feliz que esqueci de tomar antidepressivo.

05 novembro
Não sinto exatamente alguma mudança emocional com essa mudança medicamentosa.
É estranho pensar que eu sou uma pessoa equilibrada com tão pouca medicação.
Sinto diferença no meu corpo, no apetite, até sexual. No sono, tenho sonhado mais e também no descanso, às vezes me sinto totalmente energizada como há tempos não sentia.
Não tenho muito medo, de conseguir ou não. Estou ao mesmo tempo ansiosa e acalentada por mim mesma, usando a voz da minha cabeça como lembrete dos mantras.
Não acho que algo possa me destruir completamente agora.

03 dezembro
Hoje é domingo, depois do almoço e meu peito dói.
Sinto o peso das coisas ruins e choro muito, sozinha de novo num canto do meu quarto.
Sinto que não construí nada e nem sei como fazê-lo. Que passei dez anos aprendendo a ser gente e agora não sei o que fazer com isso.
Vejo as pessoas fazendo coisas e planos e me sinto alheia ao mundo real. Sem trabalho, sem apoio e sem perspectivas.
Pela primeira vez em muito tempo fico em dúvida se devo continuar porque não sei mais de que jeito tentar. Qualquer coisa.