sábado, 13 de maio de 2023

Feliz dia das mães

A história de quando minha mãe me expulsou de casa

Sendo bem sincera nunca parei para escrever essa história, ela é uma memória viva e intensa na minha cabeça, uma que eu posso acessar a qualquer momento e me sentir novamente com nove anos de idade.

Essa é uma lembrança longa, detalhada e por muito tempo eu só fingia que não existia, porque foi o que minha família fez: varreu para debaixo do tapete e ninguém tocava no assunto. Tenho esse episódio completo muito nítido quando penso sobre mas incrivelmente as memórias de antes e depois são apenas manchas.

Não lembro por exemplo que dia era mas lembro de abrir a porta de casa. Estava ansiosa porque íamos jantar esfihas em formato de coração, item promocional de um restaurante. Particularmente estava feliz de estar de volta – tinha passado dois anos na minha avó – mesmo que já percebesse um afastamento da minha mãe.

A minha teoria é que ela nunca gostou de olhar pra mim e ser lembrada do meu pai, não foi um relacionamento positivo – se é que ela seja capaz disso.

Quando voltei para casa, Paulo Henrique já estava instalado como figura paterna do meu irmão e chefe de família.

Paulo Henrique era o novo e antigo namorado da minha mãe. Eles tiveram um romance quando eram adolescentes e ambos seguiram caminhos diferentes porém similares. Ele também era divorciado e tinha um filho muito mimado.

Minha mãe o tratava como se fosse a mais ilustre pessoa – era um executivo da Siemens e de fato tinha muito mais dinheiro que ela. Ele me ensinou a jogar xadrez e quando eu e minha irmã levávamos bronca ele não se pronunciava, era padrasto apenas do meu irmão.

Não lembro de muita coisa envolvendo ele mas quando já havia passado um ano desse acontecimento, ele me levou para jantar e pediu perdão. Após isso, aos poucos, a minha família foi percebendo o estelionatário e perverso homem que era.

Chegando em casa aquele dia fui direto ao banheiro lavar as mãos para o jantar. Ao me virar para sair – tinha deixado a porta entreaberta – não percebi que meu irmão estava atrás de mim, tinha me seguido para fazer o mesmo. Tropecei nele que tropeçou para trás e bateu a cabeça no trinco da porta.

Meu irmão é cinco anos mais novo que eu, o que pode mostrar uma diferença de força, mas isso nada mais foi que um acidente.

E em trinta segundos minha vida mudou.

Meu irmão começou a chorar, Paulo Henrique começou a gritar dizendo que eu fiz de propósito e tentei matar meu irmão e minha mãe deixou de ser minha mãe.

Eu comecei a esperar pelo castigo, pois praticamente todos os dias ela encontrava um motivo para me bater então eu sabia que seria ruim. Sinto que respirei fundo um segundo e só consegui respirar de novo quando tudo passou, ela não me deu nenhuma chance de explicar.

Lembro de ser puxada e jogada na parede. Dessa vez era diferente, ela não estava medindo a força. Tentava dizer minha versão do que aconteceu, ela batia no meu rosto. Tentava proteger meu rosto, ela socava meu corpo. Caí no chão e ela começou a me chutar, o que me fez pensar que algum limite tinha sido extrapolado.

Não parece muito certo uma mãe chutando o estômago da filha três vezes menor. Nunca pareceu certo nas outras vezes em que ela me bateu mas entendo que havia um contexto de educação, disciplina. O que estava acontecendo agora era diferente, era pura fúria e eu era o alvo.

Até hoje não sei se durou quatro ou quarenta minutos mas lembro da sensação de não conseguir respirar porque depois que ela parou, eu não conseguia falar. Me encolhi num canto no chão e fiquei ouvindo o Paulo Henrique no sofá – com meu irmão no colo – dizendo que eu era horrível e queria destruir a família deles.

Eu na verdade só queria comer esfihas de coração e nunca consegui.

Minha mãe ligou para o meu pai e disse que ele tinha que me buscar imediatamente, que eu não morava mais naquela casa. Ele queria entender, ela não queria explicar. Me colocou no telefone e nenhuma palavra saía, eu só estava tentando recuperar o ar.

Ela então empacotou minhas coisas em sacos de lixo quase da minha altura e me deixou na calçada junto com eles, fez questão de trancar o portão e esperar do lado de dentro. Talvez esse tenha sido o momento em que percebi que não somente minha mãe não gostava de mim, ela era capaz de me matar e não estava mais disposta a ser minha mãe.

Quando meu pai chegou, eu ainda não conseguia respirar. Não sei se era o choro, o trauma, os chutes ou a asma, mas eu só consegui falar quando chegamos na casa da minha avó. Expliquei o que aconteceu gaguejando e a partir daquele dia, eu moraria com a minha vó novamente.

Já adolescente ouvi rumores que nessa situação, Paulo Henrique fez minha mãe escolher entre eu e ele, o que não me impressionaria pois ele é um ótimo manipulador. Independentemente de ter sido uma ‘escolha de Sofia’ a minha opinião é que quando algo é tão errado em tantos níveis, não há justificativa.

A qualquer momento alguém poderia ter parado aquilo, os envolvidos, a vizinha da casa da frente que me ouvia gritar, e todos escolheram não fazer isso. Minha família escolheu tratar isso como somente mais um episódio da Janaina, essa mulher estourada de forte personalidade, e na verdade não era nada disso.

Foi pura violência e ostracismo de poder. Um desequilíbro emocional alarmante. Falta de empatia completa, falta de paciência com filhos que não pediram para nascer. Um crime. Olho pra minha mãe em qualquer fase da vida dela e só consigo ver caos, em vários níveis. Hoje eu consigo ficar feliz de ter excluído essa pessoa da minha vida mas ainda todos os dias sou lembrada da falta de figura materna. Ninguém me ensinou como lidar com menstruação ou paqueras, por exemplo.

Àquela altura da minha vida, essa foi a maior dor que passei, física e emocionalmente. Algo se quebrou em um milhão de pedacinhos dentro de mim naquele dia e demorei uma eternidade para consegui organizá-los de novo. Hoje ao olhar pra trás consigo ser a pessoa que a pequena Rayanne tanto precisou, o acolhimento que não existia, a compreensão que ninguém se deu ao trabalho de oferecer. 

Mas esse acontecimento minou todos os relacionamentos da minha vida até o momento em que consegui fazer isso e por muito tempo eu dizia às pessoas que minha mãe estava morta, porque doía menos que assumir que eu era indesejada pela pessoa que me colocou no mundo. 

Ela nunca falou sobre isso, não pediu desculpas nem tocou no assunto. Ela inclusive disse que não se arrepende de nada que tenha feito, pois estava sempre pensando nos filhos, o que é uma das maiores mentiras que já ouvi.

Uma pessoa dessa precisa de tratamento urgente.

Hoje faz cerca de dez anos que não troco palavras com ela, e quase 20 de quando isso aconteceu. Todas as vezes em que eu digo isso, ainda dói, mas cada dia menos: eu não tenho mãe. 

quinta-feira, 11 de maio de 2023

Poema 231

The world keeps turning as I 
Try to understand if I'm seeing a sunrise or a sunset
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The lights hits my eyes and all the smoke hits my face:
There you go, a way to know that another day arrived
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Sometimes I wonder how the next fall will be
And it hurts to remember what the bottom feels like
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I've been around so much pain my whole life 
That it doesn't scare me anymore
---
But the wasted time does,
To know that I coul've built something else
And maybe this something would last.

segunda-feira, 1 de maio de 2023

Poema 230

Me abraço
Me perco e acho no meu espaço
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Me acalento
Converso com a angústia e todo o tormento
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Me seguro
Me ouço sozinha chorando no escuro
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Me permito
De dentro do vazio escuto cada grito
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Me perco
Nas ácidas áreas da minha mente de pouco vento
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De repente o mundo é muito rápido pro meu passo
Em um minuto o ritmo muda e eu desabo
Deus sabe o quanto eu me esforcei nesse caso
E mesmo assim eu não sinto desamparo
---
Soluço
O dia e a noite passam num susto
Afundo
Só eu sei quanto é profundo
Aceito
Amanhã é outro dia em que aprendo o respeito
---
(Original Março 2019)